As nove fotografias apresentadas no Espaço Arte Tranquilidade constituem, com outras seis, uma série que João Grama (n.1975) intitulou de Ropes [Cordas]. Este conjunto integra um corpo de trabalho maior, que tem como eixos fundamentais: o tempo, a imagem, o lugar. Penso que é no desdobrar de alguns dados, que a especial grandeza destas imagens pode ser entrevista. Nesta leitura, procuro uma abordagem que se alimente do que se deve fazer ao falar de poesia: mais do que procurar explicações, tecer e estabelecer implicações. A poesia é aqui invocada não por estas imagens quererem ser poemas (ainda que talvez o sejam), nem tão pouco por as imagens serem poéticas (apesar de o serem), mas para que o nosso olhar sobre estas imagens seja informado daquilo que nos ensina a poesia.
Um primeiro conjunto de imagens da série Ropes foi apresentado em 2011, na primeira edição do European Photo Exhibition Award. O prémio de fotografia propunha que os trabalhos contribuíssem para uma construção do que hoje podemos definir como identidade europeia. Para dar resposta a este desafio, João Grama mudou-se para a zona de Sagres, sintomático do tempo que vivemos, um artista decidir trabalhar sobre uma vivência remota. Durante essa estadia realizou um projecto de fotografia e dará início a um projecto cinematográfico, motivo para o artista voltar àquela paisagem proximamente. Foi numa praia na orla Vicentina, que João Grama encontrou o seu campo de trabalho e o leitmotiv da sua pesquisa visual: umas cordas, estrategicamente abandonadas nas rochas de uma enseada, chamaram-lhe à atenção. Veio a descobrir que estes elementos permitem aos apanhadores de percebes, que trabalham naquele perfil acidentado e agreste, chegar às zonas onde estes crustáceos se reproduzem. Da sua vivência naquele lugar ao longo de mais de um ano, decorreu um conhecimento profundo das pessoas e das suas relações com o mar e com o trabalho no mar. O artista acompanhou uma comunidade de percebeiros no seu labor quotidiano e nas actividades físicas extremas que lhe estão associadas. As cordas são os meios fundamentais desta actividade. É através de um sistema de nós e da instalação destas cordas nas rochas, que os corpos se seguram à terra. No entanto, nas fotografias assim como nas arribas, as cordas não são mais do que linhas delicadas, desenhos espontâneos sobre a paisagem.
A sua pesquisa visual, num contexto político, já que nos debatemos com a ideia frágil da identidade europeia, não pretende ser uma observação antropológica e/ou documental. Ainda que centrado no conhecimento da geografia humana daquela região, o trabalho aqui apresentado não é sobre esse envolvimento decisivo dos homens com a paisagem. Não são retratos. E no entanto, retratam o trabalho e a intervenção de alguém sobre a paisagem. São, por isso, memoriais daqueles "que modelam a fisionomia dos lugares [,] prolongando no mar a obscura energia dos homens", a quem o geógrafo Orlando Ribeiro dedicou o seu estudo Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico (1963). De certo modo, estas imagens inscrevem-se na grande genealogia da fotografia de território, onde Orlando Ribeiro também ocupa um lugar, que tem como filões principais: a colecção de Eugène Atget (1857-1927) das vistas de Paris imediatamente antes da reformulação urbana de Haussmann; e a fotografia de paisagem realizada por Timothy H. O'Sullivan (1840-1882) durante a Guerra Civil Americana, onde registou os campos de batalha, e mais tarde, acompanhou as grandes expedições com o objectivo de mapear e inventariar o território entretanto apaziguado. Note-se que o impulso que deu início a estas grandes investidas fotográficas é comum: o registo da mudança de um tempo para outro. Mas, seja nas vistas das antigas ruas, fachadas e fortificações de Paris, seja nas paisagens das imensas montanhas, desertos ou rios Americanos, a presença humana é evitada. Ainda que indubitavelmente sejam registos da mesma geografia humana a que Orlando Ribeiro se referia como a face humana da Geografia, que considerava ser feita com todos os sentidos.
Gosto de pensar que para a realização deste trabalho, João Grama tenha encontrado o posicionamento do seu olhar enquanto fazia surf. Como eu o imagino, este desporto coloca a tónica na vivência de um posicionamento tensional entre o mar e a terra. Repare-se que grande parte destas fotografias adopta o olhar do mar como ponto de vista: as imagens são captadas de barcos ou de costas para o mar. O mar, no entanto, está sempre presente: é o motivo daquilo que vemos. Há ainda uma outra noção associada à posição deste olhar: é o olhar da descoberta, de quem circunvaga, de quem chega ao território.
Finalmente, as suas imagens não são documentais na medida em que são rigorosamente construídas. São falsificadas (por vezes, certos elementos são apagados, outros realçados, slides são sobrepostos numa mesma imagem, etc.) para realçar uma verdade. São imagens fruto de uma experiência do território: ancoradas no real - no aqui e agora, de uma paisagem que nos é devolvida pelo artista -, informadas pela poesia. Estas imagens são imagens (metáforas) da vida.
Maria do Mar Fazenda
ROPES
In the far south-western corner of Portugal (and of Europe), specifically between the towns of Sagres and Vila do Bispo, there is a highly individual fishing community dedicated to the gathering of percebes (gooseneck barnacles), a type of crustacean very popular in Portugal. The community has exploited this activity commercially for at least three generations, though there are archaeological records, which testify to a far older tradition of the gathering and consumption of this species.
The topography of this stretch of coastline is mostly made up of crags and cliffs, some of them over 100 metres high. This is a difficult and fairly dangerous occupation, demanding of the shellfish gatherers an enormous measure of courage, knowledge and the skilled use of ropes – one of the most vital tools of their trade –, which are used to descend to and safely negotiate the area where the waves break on the rocks, the favourite habitat of the percebes.
It is the Ropes that give their name to this series of images by João Grama (b. 1975). A concrete theme, yet one which under the photographer’s gaze stimulates pertinent reflections on the physical, symbolic and anthropological nature of manual labour and also on the increasingly obsolete methods and processes used to harvest nature’s resources. The rope is a tool that harks back to the early days of fishing and agriculture, speaking to us therefore of a time before mechanical devices, a time in which work was overwhelmingly simple, rudimentary and precarious. This implied contradiction to contemporary cultural paradigms and patterns of production are precisely the reason that João Grama gives as one of the reasons for his interest in this subject and location: ‘without the use of any technological apparatus or modern harvesting techniques, a notable fact in the twenty-first century, only the tracks left by boots and cars – safely on land, make it possible to detect traces of the movement of these men up and down the cliffs. This, as can be seen, adds a subtlety to this relationship, presenting it as an example of the adaptation of man to nature, without major interventions, employing, in this particular case, nothing more that an object such as a rope.’
In this exhibition, the photographer shows six images. Made over several months, the photographs depict various points along this coastal region, as the result of a journey through the landscape guided throughout by the proximity of the sea, reproducing the different contours and nuances of the cliff, the colours, tones and textures of the rocks, the physical and material, poetic and metaphysical relationship between earth, water and sky, like a dense and intricate realm of elements and visions. They are landscapes that speak of sublime nature, suggesting beauty yet also awe. People cannot be seen, and through the distant gaze of the image, the ropes take on the appearance of intriguing details or, more accurately, metonymies of daring movements by the worker. And, in their subtle and minute presence, as if challenging the boundaries of the visible, they are also details which call for effort and engagement by the spectator – the kind of commitment, perhaps, which guided the artist on his journey through this unique territory.
Sergio Mah, curator, Jan12
Series of 15 pictures, s/titulo (untitled), 2011-13
c-print on Epson Luster paper
all images 90 x 105 cm, except #4 65 x 75 cm,
and #8 105 x 140 cm
João Grama é artista visual, vive e trabalha em Lisboa.
Para uma melhor experiência visual, é recomendado visualizar o trabalho fotográfico num computador.
As imagens estão otimizadas para telas maiores, proporcionando mais detalhes e qualidade.
João Grama is a visual artist, lives and works in Lisbon.
For a better visual experience, it is recommended to view the photographic work on a computer.
The images are optimized for larger screens, providing more detail and quality.